segunda-feira, 29 de agosto de 2011

RAFAEL SENRA

Rafael Senra é quadrinista, compositor e músico. Tem 29 anos e autorizou esta entrevista ao blog Sociedade Mutuante em 08 / 07 / 2011.

1) QUAL VERTENTE ARTÍSTICA SEGUE? ALÉM DESTE SEGMENTO, HÁ OUTRAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS QUE GOSTARIA DE EXPERIMENTAR?


Como a maioria dos artistas hoje em dia, beneficiados com as facilidades da tecnologia, exerço atividades das mais diversas, várias delas por experimentação. As que trato como principais há vários anos são os quadrinhos e a composição de músicas. Entretanto, ando cogitando deixar as HQs de lado por um tempo, já que a confecção de um trabalho desses é demasiadamente demorada. Assim como quadrinistas como Lourenço Muttarelli fizeram, pelos mesmos motivos, pretendo substituir essa lacuna através da literatura.


2) POSSUI TRABALHOS PUBLICADOS? QUAIS?


Em 2009, publiquei a HQ Ana Crônica, por uma editora/gráfica de São João Del Rei, TGB. A história é bem influenciada por quadrinhos americanos alternativos, como os irmãos Hernandez e Dan Clowes. Trata do cotidiano de jovens estudantes amarrados tanto à universidade quanto à sub-empregos. Era, com um ou outro toque fictício, bem fiel à minha realidade na época.

Ainda em 2009, publiquei uma HQ na internet, Lonely Hearts, onde realizo o antigo desejo de desenhar os Beatles. A história é, basicamente, uma subversão da lenda de que Paul McCartney havia morrido, sendo substituído na banda por um sósia.

E agora em 2011, montei um projeto musical que mistura rock progressivo e música eletrônica chamado Zastrados, em parceria com o letrista e percussionista Pablo Gobira. Trabalhamos com temáticas ligadas à transcendência, misticismo, e questionamento do caráter mercantil que a vida assumiu na era industrial. Temos um EP com 4 músicas já gravado e mixado, chamado Cosmogonia. Logo que acertarmos alguns pequenos detalhes, ele será disponibilizado na internet.


3) QUANDO COMEÇOU A SE ENVOLVER COM ARTE?


Desde sempre, pois já tentava desenhar antes mesmo de saber falar, e folheava quadrinhos antes mesmo de saber ler. O envolvimento sério veio na adolescência, e desde então vem se intensificando mais e mais.


4) PODERIA RELATAR DE FORMA SIMPLIFICADA UM DIVISOR DE ÁGUAS EM SUA CARREIRA ARTÍSTICA?


Nos quadrinhos, certamente foi a publicação da Ana Crônica. Na música, eu apontaria uma banda que fiz parte em 2001, chamada Mahadeva, que chegou a tocar em festivais da região e me possibilitou o primeiro contato com um estúdio de gravação.


5) INFLUÊNCIAS E/OU PREDILEÇÕES NO CAMPO DA ARTE?


Nos quadrinhos: Milo Manara, Jaime Hernandez, Alan Moore, Neil Gaiman. Na música: Beto Guedes, Lô Borges, Camel, Kings of Convenience, João Gilberto, Laura Nyro, Joni Mitchell, Beatles, Clannad, Supertramp, Pink Floyd, Marillion, Humberto Gessinger.


6) UM MOMENTO MARCANTE EM SUA TRAJETÓRIA CULTURAL?


Acho que conhecer a obra de Milton Nascimento e do Clube da Esquina representou muito para mim. Foi a primeira vez em que me emocionei com algo tão próximo, que se referia sobre meu próprio estado. E que, no entanto, assumia um caráter universal, cosmopolita.


7) QUAL É A SUA FORMAÇÃO? EM QUE MEDIDA ESTA INFLUENCIOU SUA TRAJETÓRIA CULTURAL? EM RELAÇÃO À TESE O QUE MUDOU EM SUA CONCEPÇÃO APÓS A PESQUISA?


De 2008 a 2010, fui estudante do mestrado em Letras da UFSJ, voltado para teoria literária e crítica da cultura. Pesquisei os traços da identidade de Minas Gerais na obra do Clube da Esquina. Foi um trabalho que me abriu a cabeça e o coração para muitas questões. Como artista, passei a ser mais autocrítico, e a perceber o lastro cultural que antecede minha época. Como pessoa e cidadão mineiro, pude (re) conhecer componentes essenciais da minha própria identidade.


8) COMO SE DEU O PROCESSO DE PUBLICAÇÃO E DE DIVULGAÇÃO DE SEUS QUADRINHOS? HÁ PERSPECTIVA PARA O SEGUNDO NÚMERO DE ANA CRÔNICA?


Em meados de 2007, uma editora divulgou na internet um edital para envio de histórias em quadrinhos completas. Na época, eu tinha feito várias páginas de Ana Crônica, e coincidentemente ela atendia a todos os requisitos do edital. Enviei algumas páginas para a editora, que se interessou em publicar, desde que eu produzisse mais algumas páginas, inteirando o tamanho padrão de uma graphic novel. Mas quando conclui, eles simplesmente não respondiam mais aos meus emails. Resolvi então publicar por conta própria. Fui pesquisando sobre o assunto, e com a ajuda de um amigo designer, Robson Pereira, preparei o layout da revista. Conheci o pessoal da editora/gráfica TGB, e em 2009, depois de dois anos de trabalho, publiquei finalmente a revista. Ela ficou pronta dois dias antes de eu viajar para o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), em BH, e acabei lançando a HQ lá mesmo, em um estande de quadrinistas independentes.

Devido à repercussão positiva, comecei a fazer um segundo número da revista, mas o projeto anda estacionado. Quadrinhos são, infelizmente, uma arte ainda pouco reconhecida, com poucos caminhos para se profissionalizar. Além disso, é uma atividade difícil de ser levada como hobby, por demandar uma considerável quantidade de tempo.


9) COMO FOI A EXPERIÊNCIA DE SE AVENTURAR COMO ATOR NO CURTA "WHISKY COM SODA" DE VICTOR KLIER?


Foi algo muito interessante e estimulante, ainda mais para uma pessoa pouco "desenvolta" como eu (por sinal, a timidez e a linguagem corporal travada que me caracterizam foram essenciais para que eu conseguisse o papel no filme, por ter a ver com o personagem). Meus envolvimentos anteriores com cinema foram atrás das câmeras, auxiliando o amigo Rodrigo Maia a realizar um filme chamado Recursos da Vida, e compondo uma trilha sonora original para esse mesmo filme. Por isso, estar do outro lado, ou seja, sendo filmado, representou uma magnífica oportunidade de ser mais agente que espectador. O fato do diretor e roteirista Victor Klier estar por trás da empreitada foi ainda mais animador, por se tratar de um profissional inspirado e competente.


10) QUAIS SÃO OS SEUS PLANOS FUTUROS?


No momento, além do EP dos Zastrados, estou montando um projeto de música para apresentações em casas de shows. O objetivo é mesclar músicas próprias e covers. Além disso, estou reescrevendo e ilustrando minha dissertação de mestrado para tentar publicar, eliminando do texto alguns jargões acadêmicos que "atravancam" a leitura. A publicação irá conter também entrevistas que realizei com alguns membros do Clube da Esquina. E também estou escrevendo um livro de ficção sobre o qual prefiro ainda não comentar muito, mas cuja narrativa é permeada pelo humor e por situações cotidianas.