Marcelo Dolabela é poeta e tem 52 anos. Autorizou esta entrevista ao blog Sociedade Mutuante em 05/ 02/2009.
EM PRIMEIRO LUGAR: EM SEUS TRABALHOS, POESIA SONORA COINCIDE CONCEITUALMENTE COM AS DEFINIÇÕES DE PHILADELPHO MENEZES (A QUESTÃO DA INTERMÍDIA NA POESIA SONORA E, CONSEQÜENTEMENTE POESIA SONORA COMO ALGO QUE NÃO É SIMPLESMENTE POESIA DECLAMADA E NEM SIMPLESMENTE SUA MUSICALIZAÇÃO. SERIA UMA INTERFACE DESSAS AÇÕES.)?
Sim. A poesia sonora busca se estabelecer entre a declamação, a música e a "arte dei rumori", de Luigi Russolo. A diferença entre meu trabalho e os pressupostos de Philiadelpho Menezes é que, por sua formação musical, ele está mais perto da cultura estrutural da chamada música erudita de vanguarda; enquanto em meu trabalho, incorporo uma maior contribuição da cultura estrutural do rock de vanguarda.
QUAL A DIFERENÇA DE SE TRANSFORMAR UM POEMA ESCRITO EM SONORO E "PRODUZIR" UM POEMA SONORO, OU SEJA, QUAL É O PROCEDIMENTO MAIS UTILIZADO POR VOCÊ NA CRIAÇÃO DE UM POEMA SONORO? A PARTIR DE UM TEXTO SE CRIA O SONORO OU O SONORO É ALGO PRIMORDIAL E IMAGINADO E O TEXTO, SOB ESSA PERSPECTIVA, É APENAS UMA ESPÉCIE DE REFERÊNCIA?
Não tenho um formato único para produzir um poema sonoro. Como trabalho em várias frentes, cada obra traz características desses formatos de produção. No Divergência Socialista, geralmente, levava o texto, improvisávamos e, depois que as estrutura estava estabelecida, trabalhava, a partir do arranjo, para inserir ruídos e elementos que permitissem a incorporação do acaso à performance de palco.
Quando trabalho individualmente, prefiro trabalhar "lixos" informacionais. Isto é, fragmento de obras (música, trechos de filmes, etc.), samplers extraídos de CDs geralmente usados por DJs e, principalmente, o indomável de certos instrumentos musicais – theremin, kaoss pad, air fx, pedais de delay, distorção, etc. O texto, quando existe, entra como uma espécie de ruído-metáfora.
E, às vezes, uma mesma obra pode ser trabalhada como canção e, ao mesmo tempo, como poema sonoro. Depende muito da performance.
EM QUE MEDIDA O QUE CHAMAMOS DE VANGUARDAS HISTÓRICAS ESTÁ PRESENTE NA POESIA SONORA, EM ESPECIAL NOS TRABALHOS QUE REALIZA?
Existem pelo menos duas grandes correntes na chamadas vanguardas históricas. Uma, construtivista e formalista. Outra, desconstrutivista e anárquica. As duas contribuíram – e muito – para a formatação da poesia sonora. No meu trabalho, a segunda corrente é que serve de base. Dos construtivistas e formalistas (às vezes) incorporo mais o projeto de composição. Isto é, antes de gravar e/ou apresentar um poema sonoro, realizo uma espécie de "planta baixa", para realizar o projeto. Deixando, obviamente, todas as contribuições do acaso irem se incorporando ao projeto.
QUAL O GRAU DE PARTICIPAÇÃO (SE É QUE EXISTE PARTICIPAÇÃO) DA POESIA SONORA EM SEUS TRABALHOS MUSICAIS COMO O DIVERGÊNCIA SOCIALISTA E ATUALMENTE NO CAVEIRA MY FRIEND? OU PODE-SE ENTENDER QUE SEUS TRABALHOS MUSICAIS SÃO "RAMIFICAÇÕES" DO QUE ENTENDEMOS POR POESIA SONORA?
Não existem grandes diferenças. Talvez a mais visível seja o grau de experimentação. No Divergência, mais do que fazer música e manter um grupo musical, queríamos experimentar o máximo com os recursos que tínhamos na época, buscávamos ser um grupo de Anti-Música. Já, no Caveira, embora o acaso esteja muito presente, o grupo é mais musical.
EM FALAR EM CAVEIRA MY FRIEND, POR QUE ESSE NOME E FALE UM POUCO DESSE ATUAL PROJETO POÉTICO.
O nome do grupo, eu tirei de um filme (homônimo) do cineasta baiano Álvaro Guimarães. A escolha foi pelo absurdo das duas expressões: CAVEIRA / MY FRIEND.
O Caveira é uma espécie de Divergência mais formatado.
Quero retomar o trabalho com o Caveira. Tenho um projeto meio ambicioso para o grupo que é fazer uma ópera-anti-rock a partir do capítulo três da obra "O Capital", de Karl Marx. O projeto é radicalizar com a linguagem do rock experimental e com os elementos mais atuais de produzir ruído, acaso e estranhamento.
EM QUE MEDIDA AS REVISTAS JÁ EDITADAS E/OU COORDENADAS POR VOCÊ, EM ESPECIAL A DEZFACES, PODERIA SER "EXTENSÃO" E DIVULGADORA DA POESIA SONORA QUE TAMBÉM É UMA POÉTICA EXPERIMENTAL, ALÉM DAQUELAS EXIBIDAS NAS REVISTAS? RESUMIDAMENTE, O QUE QUERO SABER É SE ESSE GRUPO DE POETAS NÃO PODERIA SER CONSIDERADO VANGUARDA NOS DIAS ATUAIS JÁ QUE POSSUI MUITAS SEMELHANÇAS ÀS VANGUARDAS HISTÓRICAS? POIS SE CONSIDERARMOS QUE SEM UTOPIA NÃO HÁ POESIA, ENTÃO "NOSSOS POETAS" NADA MAIS, NADA MENOS PRECISAM SER CONTESTADORES DESSA ILUSÓRIA INUTILIDADE DA POESIA NO CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL DO SÉC. XXI.
O Dezfaces, por sua multiplicidade de vozes editoriais e de colaboradores, traz variadas contribuições das vanguardas históricas, do dadá ao modernismo brasileiro. Destaco, como um dos principais traços do Dezfaces, a sua capacidade de conviver com a diversidade em um projeto coeso de edição. Duvido que um leitor de poesia goste de tudo do Dezfaces. E duvido, também, que esse leitor não vá gostar de nada do jornal. Esse jogo de amor & ódio é fundamento no combate e no estabelecimento das vanguardas.
O QUE VOCÊ QUER DIZER COM "SE HOJE ELA É POP NA POESIA" (A VANGUARDA)?
Muitas propostas das vanguardas históricas não saíram dos manifestos e dos projetos. A cultura pop, em suas vertentes mais radicais, viabilizou esses projetos: Frank Zappa, The Beatles, Yoko Ono, Tropicália, música eletrônica, punk rock, etc.
E POR QUE A ESCOLHA EM ESPECIAL PELOS INSTRUMENTOS: THEREMIN, AIR-FX, KAOSS PAD, CDJ?
Abrir possibilidades de acaso. Não ficar preso às sonoridades da música. Ver até que ponto é possível criar a partir de uma idéia que não seja domável e repetível.
Um comentário:
anarquia & acaso incorporado
salve dadalobela!
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